segunda-feira, 15 de março de 2021


«Quem de Deus não conhece senão as suas criaturas
não precisa de outras catequeses ou de sermões.
Porque cada criatura é um inteiro livro sobre Deus.»
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Mestre Eckhart

sexta-feira, 12 de março de 2021

ASSIM ANDA ENTRE NÓS


Silencioso, último, sem préstimo, obscuro
assim anda entre nós. Atravessa as ruas
vai no movimento, o mundo é tão brilhante

que na verdade cega. Assim recolhe as provas
acerca de não vermos. Buscamos só imagens
que desprendem mais imagens, leques de escondermos
a nossa própria face - e assim anda entre nós
guardando o que perdemos, o que recusamos.

Passa entre ruídos, pára em velocidades
confirma a inversão das luzes e dos séculos.
Silencioso, último, sem préstimo, obscuro
aí vem, com seu sorriso, a face arcaica: o Deus
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Carlos Poças Falcão [poema sem título, de 1951], in Verbo. Deus como interrogação na poesia portuguesa


segunda-feira, 8 de março de 2021

A VIDA É BELA


Mostra-lhes a coisa simples […] perto da mão e do olhar”. É de R. M. Rilke a recomendação. (...) Em tempos tão extraordinários como os que vivemos, de lamento pelo que de inesperado nos tem trazido e pelo que de adquirido nos tem tirado, atender e cuidar do quotidiano e do simples que está “perto da mão e do olhar” será ato de resistência íntima ao vazio e ao estéril, de contacto e de adesão ao possível e ao fecundo. Para não deixarmos de ser intérpretes da graça da vida, bendizentes do bem possível. (...)

A vida é bela. É belíssima. E não é preciso muito para o saber. Saborear um pouco de pão molhado em azeite bastaria como testemunho da sua bondade radical, sempre nova. Mas a vida também é tão difícil. Há momentos e circunstâncias em que o pão se faz amargo. Os limites que nos fazem insinuam desconfianças, despertam ciúmes, incitam a agressões e transgressões. Aí, quando o custo encobre a bênção que a vida é, tendemos a afundar-nos, como se não houvesse mais nada, ou a evadirmo-nos, fazendo de conta, ou a agredir como forma de proteção. 

Reaprender a professar a confiança elementar na vida, bendizendo a sua graça e atravessando com esperança o seu custo, sem rendição nem alienação, torna-se um dever de humanidade. E um dever de crentes. Sim, porque a fé cristã não é menos do que ato elementar de confiança na vida, no seu sabor, na sua bondade, nas suas promessas. A profissão de fé em Deus está muito próxima da declaração de amor à vida."
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P. José Frazão Correia sj, in Ponto SJ

sexta-feira, 5 de março de 2021



sabemos que ainda
estamos vivos
quando as flores
não nos morrem
por falta de água
ou por excesso dela
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Inês Francisco Jacob

domingo, 28 de fevereiro de 2021


Como nómadas do deserto
cada dia desmontamos as tendas.
Bagagem ligeira impõe a viagem
e coração confiante.
Trago comigo rostos e perfumes e cores
e cada vez mais histórias de homens e mulheres:
troquei a riqueza do palácio
por um arco-íris.

Agora está livre o meu coração,
deixou de procurar segurança
e dia após dia vou
de começo em começo,
nómadas de amor.

Tu escancaraste a minha vida,
és vento que sopra e enfuna as velas,
seguir-te é coisa de gente corajosa.

A minha riqueza tornou-se fecunda:
os meus bens, o meu nome, que abre as portas
já não são um peso que entrava a viagem,
correia que trava o passo;
no caminho percorrido juntos
contigo e com os teus
mudou-se o ouro em pura luz
e em fogo que empurra a caravana.

De olhar fixo no sol
a cada aurora eu sei
que renunciar por ti
equivale a florir.
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[Marina Marcolini]

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

DEUS NO MEU QUINTAL


Alguns guardam o Domingo indo à Igreja.
Eu o guardo ficando em casa
Tendo um Sabiá como cantor
E um Pomar por Santuário.

Alguns guardam o Domingo em vestes brancas
Mas eu só uso minhas Asas
E ao invés do repicar dos sinos na Igreja
Nosso pássaro canta na palmeira.

É Deus que está pregando, pregador admirável
E o seu sermão é sempre curto.
Assim, ao invés de chegar ao Céu, só no final
Eu o encontro o tempo todo no quintal.

Emily Dickinson (1830-1886)
(Tradução de Manuel Bandeira)


 

domingo, 14 de fevereiro de 2021

AMOR


“Amor é quem tu és. Quando não vives de acordo com o amor, estás fora de ser. Não estás a ser real. Quando amas, estás a agir de acordo com o teu ser mais profundo, com a tua verdade mais profunda. Estás a operar de acordo com a tua dignidade”
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Richard Rohr

Imagem: Maria e José - Pintura a óleo, Ruben Ferreira
 

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

ESCUTAR

"Escutar significa oferecer um ombro onde o outro possa apoiar a mão, para rapidamente se levantar."

José Tolentino Mendonça

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

sábado, 6 de fevereiro de 2021

O DEUS DA MINHA INFÂNCIA


O Deus da minha infância
era loiro
como trigo sereno ondulante
cavava fundo a terra
adormecida e as cigarras
cantavam nela ao fim da tarde:
explodia vivamente
em cada sol
nascia pela manhã e velava de noite
o meu sono
a solidão tranquila
do rosto moldado na almofada.

O Deus da minha infância
era azul
estava em todo o céu como o azul
era as gotas de orvalho
sobre as folhas
o ar muito fino e respirável
que a cada hora atravessava a folhagem
os ramos muito altos
e os enaltecia de verde.

O Deus da minha infância
brincava
com os gatos que saltavam dos telhados
com os cães que adormeciam ao sol
com as crianças
que rodopiavam em rodas
em torno do pião
que rodava.

O Deus da minha infância
era pobre
escutava as vozes das lareiras
comia a broa ázima
pousava sobre a mesa de castanho velho
e detinha-se nas linhas
fundas da madeira
nos seus nós escurecidos:
assomava às janelas
de vidro barato
coalhadas da humidade
descia pela garrafa de azeite espesso
misturava-se com o vapor acre do vinho
crepitava nas brasas entre castanhas e fumo
afundava-se nas rugas dos velhos
de mãos encarquilhadas
pelo frio e pela usura.

O Deus da minha infância
se acaso me visita
fala-me das vezes temerárias
em que me aventurava nas águas agitadas
de um rio
em que afundava o corpo
na terra ainda quente
e abraçando-me a ele
leva-me de volta ali
a esse lugar remoto de onde nunca parti
a essa funda origem
aonde O conheci.
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Excerto do poema "O Deus da minha infância", de Bernardo Pinto de Almeida


 

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

EDUCAR NA FÉ


"Quando falamos hoje de «educar na fé», o que queremos dizer? Concretamente, o objetivo é que os filhos entendam e vivam de uma forma responsável e coerente a sua adesão a Jesus Cristo, aprendendo a viver de forma saudável e positiva a partir do evangelho.

Mas hoje em dia a fé não pode ser vivida de qualquer maneira. As crianças necessitam aprender a ser crentes no meio de uma sociedade descristianizada. Isto exige viver uma fé personalizada, não pela tradição, mas fruto de uma decisão pessoal; uma fé vivida e experimentada, isto é, uma fé que se alimenta não de ideias e doutrinas, mas sim de uma experiência gratificante; uma fé não individualista, mas partilhada de alguma forma numa comunidade crente; uma fé centrada no essencial, que pode coexistir com dúvidas e interrogações; uma fé não envergonhada, mas comprometida e testemunhada no meio de uma sociedade indiferente.

Isto requer todo um estilo de educar hoje na fé, em que o importante é transmitir uma experiência mais do que de ideias e doutrinas; ensinar a viver valores cristãos mais do que a sujeição a algumas normas; desenvolver a responsabilidade pessoal em vez de impor costumes; introduzir na comunidade cristã em vez de desenvolver o individualismo religioso; cultivar a adesão confiada a Jesus em vez de resolver de forma abstrata problemas de fé.

Na educação da fé, o decisivo é o exemplo. Que os filhos possam encontrar na sua própria casa «modelos de identificação», que não lhes seja difícil saber como quem deveriam comportar-se para viver a sua fé de forma saudável, alegre e responsável."

José Antonio Pagola


segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

EU MESMO


“Um menino queria ser médico, outro queria ser advogado,
e um outro, pirata.
Eu sempre quis ser uma coisa mais louca: eu mesmo.”

Mário Quintana


sábado, 23 de janeiro de 2021


“Seria uma coisa muito fácil ser cristão, se houvesse apenas a religião. 
O problema, porém, é que existe tudo o resto".
_____________

P. A. Pronzato

Ilustração de Agustin De La Torre


quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

GRATIDÃO


"A gratidão é a memória do coração” (Paul H. Dunn)

"A gratidão é a virtude humana por excelência. Por um pouco que a deixemos aflorar, a gratidão irá abrindo caminho, pacificando o nosso coração e fazendo emergir, ao mesmo tempo, o melhor que há em nós.

A gratidão é um sentimento profundamente terapêutico: ela nos afasta dos obscuros pensamentos e nos situa na terra firme da presença, em sintonia com o presente."

P. Adroaldo Palaoro, sj

 

sábado, 16 de janeiro de 2021

FELICIDADE


Talvez o tempo, por si só, explique a cada um
de nós o que é necessário para a felicidade.
Talvez a felicidade seja sempre outra coisa
que em cada idade se revela para que nos
esforcemos de novo, continuamente.
Há um amor guardado para cada fim. No limite,
já não podemos adiá-lo. Temos de amar sem
olhar a quem até que, olhando, o perfeito
desconhecido nos seja familiar. Até que se
invente uma família, tão pura e fundamental
quanto outra qualquer. A felicidade, afinal,
é possível, embora se esconda atrás de
um mundo de tristezas. Mas nenhuma tristeza
nos deve vencer. O destino de cada um é só
este: acreditar, mesmo quando ninguém mais
acredite.
_______________________________

Valter Hugo Mãe, in “O Filho de Mil Homens”

Ilustração: Agustin De La Torre


quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

VEM TIRAR-NOS PARA A DANÇA



Senhor, dá-nos a alegria de viver a nossa vida, não como um jogo de xadrez; onde tudo é calculado;
não como uma competição onde tudo é difícil;
não como um teorema que nos quebra a cabeça,
mas como uma festa sem fim onde o nosso encontro se renova,
como um baile, uma dança, entre os braços da tua graça, na música universal do teu amor.
Senhor, vem tirar-nos para a dança.
______________________

Madeleine Delbrêl

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

O SENTIDO SECRETO DA VIDA


Há um sentido profundo
Na superficialidade das coisas,
Uma ordem inalterável
No caos aparente dos mundos.

Vibra um trabalho silencioso e incessante
Dentro da imobilidade das plantas:
No crescer das raízes,
No desabrochar das flores,
No sazonar das frutas.

Há um aperfeiçoamento invisível
Dentro do silêncio do nosso Eu:
Nos sentimentos que florescem,
Nas ideias que voam,
Nas mágoas que sangram.

Uma folha morta
Não cai inutilmente.
A lágrima não rola em vão.
Uma invisível mão misericordiosa
Suaviza a queda da folha,
Enxuga o pranto da face.

Helena Kolody

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

UM SANTO E FELIZ NATAL!


Um menino que nos vem cair no colo,
um Messias que nos vai cair aos pés...

Ele dorme, doce, depois da mama,
enquanto eu aprendo que a fé faz-se também de ternura
e que uma religião incapaz de mimo é inútil e perversa.

Ele dorme, doce, depois da mama,
e a teologia chega finalmente à contemplação encantada
do amor primeiro e do primeiro amor.

Ele dorme, doce, depois da mama,
e todos os pregadores perdem as palavras
porque ficam de queixo caído,
caídos de amores por aquele que nos vem amar assim.
Será possível a misericórdia sem a sensibilidade?
Haverá perdão em quem não é capaz de ternura?

Um menino que nos vem cair no colo,
um Messias que nos vai cair aos pés;

a Palavra de Deus é toda dita em minúsculas,
como minúsculo é alguém que acaba de nascer.

Rui Santiago cssr


quinta-feira, 24 de dezembro de 2020


Todo o menino quer ser homem.
Todo o homem quer ser rei.
Todo o rei quer ser Deus.
Só Deus quis ser menino.
___________________
Leonardo Boff
 

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

UM PRESENTE SONHADO


«Jesus é um Presente sonhado e preparado desde sempre, ideia presente já no Coração de Deus, enquanto o Poema da Criação ia nos seus primeiros versos.

Jesus é um Presente de Deus necessitado de acolhimento e cuidado.
Não apela primeiramente à nossa obediência,
mas ao nosso carinho.
Não puxa pelas nossas forças,
mas mete-se com o que em nós há de mais entranhável, capaz de ternura e compaixão.

Jesus aparece no meio de nós como alguém que quer provocar em nós a sensibilidade, despertar o que há de mais profundo e melhor em nós.

Deus vem visitar-nos para despertar em nós o carinho, a ternura, os sentimentos da nossa mais profunda humanidade.
Essa é a sua ideia… converter-nos, antes de tudo, à sensibilidade, à ternura, à doçura dos gestos, das palavras e das intenções.»
_________________________

Rui Santiago cssr in "Teologia da Beleza"

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

MARIA DE NAZARÉ

´

"Se eu pudesse tirava-te os mantos
E vestia-te de flores e primavera
Se eu chegasse a ter mãos de infinito
Destruía as coroas que te roubam beleza

Então só serias Maria dos simples,
sem altares, nem estrelas nas mãos
Então poderíamos ver o teu rosto sereno de mãe e mulher.
E tu sorririas a abrir-nos a porta lá de casa, de vassoura na mão

Eis o teu ceptro eis o teu poder, minha rainha
Que eu descoroei por te amar.

Se eu falasse e o mundo me ouvisse
Falaria de ti nas manhãs junto à fonte
Se eu pudesse limpava o teu rosto
De outras tintas e cores que não as do céu

Então só serias Maria de Deus,
junto à fonte com Jesus pela mão
E tu contarias segredos de amor lá de casa
Que de amor sabes bem...

Eis o teu ceptro eis o teu poder, minha rainha
Que eu descoroei por te amar."
_________________

Rui Santiago cssr
Desenho de Javi Comino


domingo, 20 de dezembro de 2020

E A POESIA...fez-se carne

 


"Deus é pura poesia" (Miguel Torga)
___________________

No princípio era poesia,
A poesia fez-se palavra,
Fez-se verbo
Fez-se humanidade redentora...

No princípio era o verso,
O verso fez-se melodia...
Fez-se pretexto
Fez-se corpo

No princípio era a saudade,
A saudade fez-se presença,
Fez-se nostalgia...
Fez-se fraqueza

No princípio era o desejo
O desejo fez-se cioforia
Fez-se espera...
Fez-se carne
E armou sua poesia entre nós.
__________________
Igor Cristiano Oliveira Nascimento

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

ENCONTREI DEUS...


«Encontrei Deus nas poças de água, no perfume da madressilva, na pureza de alguns livros e mesmo em alguns ateus. Quase nunca junto daqueles cuja ocupação é falar dele.»

Christian Bobin, in "Ressuscitar"


quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

NÃO BASTA VER


"Não basta ver. É preciso que o coração seja tocado. É preciso que a realidade nos doa no coração. É preciso que a realidade nos comova.

É preciso escancarar as portas dos nossos preconceitos, da nossa insensibilidade, da nossa indiferença...

Sempre é tempo propício para abrir a porta do nosso coração ao outro...

Cada vida que se cruza connosco é um dom e merece atenção, cuidado, amor."

P. Adroaldo Palaoro, sj (adaptado)

Imagem: "Um mundo cheio de indiferença", 2016, Metro de Moscou, Cu Vântul/Voubus, Social Issues Photography Contest, Bulgária.


sábado, 12 de dezembro de 2020

BOAS NOTÍCIAS!


"Há coisas tão bonitas a acontecer… ligamos as notícias, não aparecem… compramos o jornal, não estão lá… cruzam-se connosco, não reparamos… batem no nosso ombro ao passar ou cumprimentam-nos no café, e não percebemos…

Os nossos olhos parece que deixaram de se espantar, caímos na tentação de achar todas as coisas vulgares e esperadas.

Caímos até na tentação de acreditar só no que nos dizem aqueles que vivem à custa das más notícias que vendem, e assim nos vamos contagiando uns aos outros nesse novo credo que é o desencanto pessimista.

Chegámos a acreditar que o mundo não tem conserto, que as pessoas são más, e que isto melhor nada há-de ficar…

Há mil vozes dentro de nós a dizerem-nos para não nos preocuparmos com o que está para além das fronteiras de nós mesmos, para não nos afadigarmos com ninguém para além de nós e com nada para além das nossas coisas, porque sábios são os que comem, dormem e gozam.

Os olhos da nossa infância ficaram baços. Às vezes não chegámos mesmo a ter infância, não nos deixaram, por um motivo ou por outro…

Dá-nos olhos, Senhor, para vermos bem… dá-nos olhos capazes de sintonizar com o que é Verdadeiro, Perene, Bom e Bonito. E um Coração capaz de se firmar no que está para além das evidências que os nossos fatalismos dogmatizam como verdades absolutas. 

Faz-nos entender, oh Deus, que a realidade é mais do que esse palmo e meio de terra que vemos diante dos nossos pés com o olhar turvado pelas nossas desilusões, medos e preguiças.

Há coisas admiráveis a acontecer à nossa volta! Jesus via… Jesus via e proclamava: “O Reino de Deus chegou! Está no meio de nós!”

Pensa um bocadinho nisto, se puderes e fizer para ti sentido. E, se achares bem e tiveres tempo, partilha uma dessas coisas boas que está a acontecer ou aconteceu estes dias. Uma dessas que não tem direitos de primeira página… Convido-te a fazermos hoje um Diário de Boas Notícias! Porque precisamos de treinar o nosso olhar e a nossa inteligência de maneira a não deixarmos fugir os sinais da Salvação de Deus a acontecer no meio de nós…"

Rui Santiago cssr (adaptado)

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020


"As árvores que admiras também demoraram a crescer.

Tem paciência e dá-te um tempo."

Manuel Clemente

Foto: Nicole Wang

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

CADA UM...



Cada um reze
da sua maneira,
uns mergulhando
na lua,
outros dançando
na chuva,
sapateando no sol.
Cada um faça
a sua oração
do jeito que for,
com as mãos cheias
de lágrimas ou de terra,
de bênçãos ou de sonho,
cada um faça a sua prece,
sem pressa, como quem
amealha os afetos
para tecer o mundo.

Roseana Murray


segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

ENSINAR A AMAR



Eu não sou professor
Para te ensinar a amar,
Também os peixes não precisam de um professor
Que os ensine a nadar
E os pássaros de um professor
Que os ensine a voar.
Nada pelos teus próprios meios.
Voa pelos teus próprios meios.
O amor não tem manuais
E os maiores amantes da história
Não sabiam ler.

Nizar Kabbani


quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

ENQUANTO...



"Enquanto eu for para ti um deus que vive lá nas alturas;

enquanto eu for para ti a hora por semana da missa de Domingo;

enquanto eu for para ti um deus que vive fechado nas igrejas;

não serei o teu Deus.

Serei o teu Deus quando deixares de Me ter na mão, e me deixares ter-te na Minha.

Serei o teu Deus quando, por tudo e por nada, te lembrares de Mim.

Serei o teu Deus quando me convidares a entrar na tua intimidade e me levares para as lutas do dia-a-dia.

Serei o teu Deus quando me trouxeres para as tuas decisões e me levares para a rua."

João Delicado

domingo, 29 de novembro de 2020

ADVENTO


“A Fé, mais do que exercício de acreditar, é uma Pedagogia do olhar.”

Rui Santiago cssr

"Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos."

Eugénio de Andrade

Desenho do meu caro amigo Agustin de la Torre

 

ESTAR VIVO

"...Morremos de doenças, mas morremos mais fácil de muitas outras coisas. Solidão. Medo. Incompreensão. Ausência de paz. Ausência de amor.

O que significa estar e ser presente na vida de alguém? De que forma eu me faço presente? O que realmente importa no encontro com o outro? O toque? O olhar? As palavras? O escutar?

Sentir insegurança, medo, correr riscos, não ter controlo sobre tudo, são sinónimos de estar vivo. Não são enganos. Não são erros. É assim mesmo. Estar morto é não ter medo e ter tudo estático e sobre controlo..."

Ana Ascensão, in CONVERSAS DESCONFInADOS

Desenho de Agustin de la Torre - https://agustindelatorre.com/

 

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

«Sim, acreditar num Deus que não vemos também significa, no mínimo, esperar que Ele esteja onde nós não o podemos ver e, muitas vezes, onde estamos absolutamente convencidos que Ele não está nem poderia estar.»

Tomás Halík, in "Paciência com Deus"

Imagem: Agustin de la Torre - https://agustindelatorre.com/


 

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

ESPERANÇA POUSADA NO UMBRAL DA PORTA


A manhã começa verde:
pulo da cama,
estendo os braços
para apagar os últimos
vestígios de um sonho,
mordo a maçã,
arrumo o mapa
do meu coração
e parto como um barco
de madeira antiga
para as surpresas do dia.

Pousada no umbral da porta,
a esperança me olha
como folha verde na água,
como esmeralda encantada.

Roseana Murray

 

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

ESTE É O MEU TEMPO

 

"Há um tempo para tudo.

E inclusive, um tempo para aquilo que não gostamos, não queremos ou não compreendemos. (…)

Como há um tempo para tudo, há dentro deste tempo um tempo de ser nada. Um tempo de não perceber nada do que se passa, de tudo parecer estranho. De por momentos parecer que vivemos num outro mundo.

Na expressão “só sei que nada sei” não é nada sei que nos inquieta, mas sim o só sei (que nada sei).

Queremos saber tudo, controlar tudo. Mas o comando não é nosso. E inclusive quando nos é dado comandar e fazer e ser aquilo que podemos ser, esquivamo-nos dessa oportunidade única. (…)

Este tempo talvez nos inquiete a todos, ou só alguns, porque nos coloca nus. E na vida, queremos sempre estar bem vestidos. (…)

É a vida. Tenho tido um certo gosto em usar esta expressão, de certa forma banalizada, de definir de forma crua a vida. É ela, no seu estado natural. Assim como nós. Nus e desprotegidos. (…)

Acredito que esta possa ser a pergunta de muitos. Porquê? Quando é que isto irá acabar? Porquê esta injustiça de vida? Que tempo é este?

E acredito que a melhor resposta poderá ser "este é o meu tempo". Este é o tempo que me calhou viver. Este é o tempo que me coloca as perguntas que hoje vivo. Este é o tempo onde posso crescer e aprender ou optar por fechar-me ainda mais em mim.

As notícias fazem a realidade e no entanto a realidade é tanto mais. Se uma doença é notícia todos os dias, o mundo passa a ser essa doença. Os meus olhos deixam de olhar outras direcções e de ver a vida além disso. Se as notícias fazem a realidade que notícias quero espalhar?

Que tempo é este? Não é mau, nem é bom. Este é o meu tempo. E que eu o saiba viver, porque esta é a minha vez.

Há um tempo para tudo… tempo para destruir e tempo para edificar. Tempo para chorar e tempo para rir, tempo para se lamentar e tempo para dançar. Tempo para abraçar e tempo para evitar o abraço…

Somos ciclos, somos um ciclo Vida/Morte/Vida. A vida é este ciclo. Nos nossos dias estão constantemente a nascer e a morrer pensamentos, situações, emoções, acções, relações. E uma vez mais isto reforça a importância de compreendermos a vida como um ciclo de Nascer-Morrer-(Re)-Nascer, para vivermos com maior paz e nos sentirmos mais plenos e serenos em cada fase, ciclo ou tempo que nos é apresentado para viver.

Como há um tempo para confinar, há-de chegar também o momento de desconfinar. E a seguir a um momento de isolamento vem um momento de tornar tudo mais vasto e abrangente. Ajuda-nos saber que sempre que há o fim de algo, haverá necessariamente um começo, e precisamos desta confiança.

Há um tempo para tudo…"

Ana Ascensão, in CONVERSAS DESCONFInADOS


terça-feira, 17 de novembro de 2020

A VIDA...

"A vida está sempre a murmurar os seus segredos: justiça, amor, compaixão, a grande união entre a diversidade. Estamos demasiado ocupados para escutar, somos demasiado barulhentos para ouvir o que quer que seja senão a nossa insensatez. Sê silencioso. Sê quieto. Ouve e comparece."

De Pirke Avot, sabedoria hebraica


 

domingo, 15 de novembro de 2020

PARA VOAR...


Para voar é preciso
mais do que asas
e ar,
é preciso cortar
os medos
que nos esperam
cada manhã
ao pé da cama,
no parapeito da janela.
Cortar o medo
com faca afiada
em pequenos pedaços
e então romper o espaço
que separa o chão
do céu.

Roseana Murray


sexta-feira, 13 de novembro de 2020

terça-feira, 10 de novembro de 2020

FRATELLI TUTTI

Desenho de Agustin de La Torre: https://agustindelatorre.com/

 

CORRE!!!


"E ousaram – aventura a mais incrível –
Viver a inteireza do possível"

Sophia de Mello Breyner Andresen
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"Eles iam os dois apanhar o autocarro do costume. Saí com eles de casa porque ia tomar um “cafézinho”. Ia um bem à frente e o outro mais atrás, próximo de mim. Quando estávamos mesmo a chegar à rua, o que ia à frente viu o autocarro já na paragem…

Parou, virou-se para trás e disse: “Pronto! Já perdemos o autocarro!” O que vinha mais atrás respondeu-lhe “CORRE!!!” e desatou a dar corda às sapatilhas! Passou ainda à frente do primeiro, que o seguiu já a correr também, e apanharam os dois o autocarro enquanto eu, atrás, me ria…

E aquela imagem não deixou mais de dançar dentro da minha cabeça…

O autocarro ainda passou por mim depois, enquanto eu atravessava a rua, e lá de dentro viram-me apenas a rir e a abrir os braços no passeio, como quem diz: “Vês?!”

Há momentos que são quase como páginas bíblicas sobre as quais é preciso parar para ler, meditar, orar… Lembrei-me que muitas vezes nos queixamos antes do tempo. Queixarmo-nos antes do tempo faz-nos desistir antes do tempo… Só Deus saberá quantas oportunidades já perdemos por nos termos queixado enquanto ainda era tempo de nos termos esforçado!

Enquanto caminhava, quase sem me dar conta já estava a dialogar com Jesus Ressuscitado no meu íntimo, pedindo-lhe que me ajudasse a ser sempre Sábio e Corajoso para não deixar fugir oportunidades ao meu alcance por me ter queixado ou desistido antes do tempo e, assim, ter tornado impossível algo que era possível! Pedi-lhe também a mesma Sabedoria e Coragem para saber discernir todas as situações da minha Vida de maneira a não me cansar em vão correndo atrás de ilusões. Enquanto caminhava, tive a certeza que o Mestre tinha prestado atenção ao que lhe tinha dito, e rimo-nos juntos daquele “CORRE!!!” que, nos primeiros centésimos de segundo, tinha deixado o outro parceiro atordoado!

Já a chegar a casa depois de dar a volta ao quarteirão, saboreava ainda esta verdade da Vida Humana em construção como uma dinâmica permanente de realização de possibilidades. O Ser Humano constrói-se na medida em que faz opções de realização dentro de um leque de possíveis. Cada realização de um possível, abre um novo leque de possíveis, e por aí adiante…

E esta situação fez-me renovar também a consciência de que o mais determinante na construção pessoal de alguém não é o leque de possíveis que se tem à partida, mas a Fidelidade, a Coragem e a Sabedoria com que os realiza. É a lógica da “parábola dos talentos” que Jesus contou, em que o determinante não foi ter 10, 5 ou 1, mas sim aquilo que cada um conseguiu fazer render.

Gostava que nestas coisinhas pequeninas do dia-a-dia, fôssemos aproveitando sempre para estarmos atentos e treinarmos esta arte de não perdermos possibilidades com facilidade… Às vezes, uma queixa antes do tempo é o suficiente para que um possível se torne impossível! Às vezes, um baixar de braços antes do combate acabar faz com que percamos o combate…

E também gostava de outra coisa, já agora que estou numa de sonhar: que o Espírito Santo nos encontrasse suficientemente atentos para o escutarmos sempre que ele gritar dentro de nós “CORRE!!!”, e suficientemente disponíveis para o gritar através de nós àqueles que amamos…"

Rui Santiago cssr

sábado, 7 de novembro de 2020

O DECISIVO É O CORAÇÃO


«O decisivo é o coração, esse lugar secreto e íntimo da nossa liberdade onde não nos podemos enganar a nós mesmos.»

(José António Pagola)

«É no coração que todo o homem ri, sofre, se perde ou se descobre. É nele que tudo nasce ou morre».

(Henrique Manuel Pereira)

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Certo dia, Deus viu que estava a ficar cansado das pessoas. Elas estavam sempre a incomodá-lo, pedindo coisas e mais coisas... Então disse: “ Vou esconder-me por uns tempos! ” Reuniu alguns dos seus conselheiros e perguntou-lhes: “ Qual é o melhor lugar para eu me esconder? ”
Alguns disseram: “ no cume da montanha mais alta da terra! ”. Outros, pelo contrário, achavam que era no fundo do mar. Aí, certamente, ninguém O encontraria. Outros responderam: “ O melhor lugar é na lua! Lá é impossível alguém descobrir o Senhor. ”
Então Deus perguntou ao seu conselheiro mais inteligente: “ Onde achas melhor eu esconder-me? ” E ele, sorridente, respondeu: “ Senhor, esconda-se no coração do ser humano. Esse é o único lugar onde ele nunca vai! ”

(Autor desconhecido)

Imagem: frase de António Lobo Antunes



terça-feira, 3 de novembro de 2020

«Acreditam na vida antes da morte?»

"Uma vez, vi grafitada num muro uma pergunta: «Acreditam na vida antes da morte?» Foi um baque para mim. Claro que alarga infinitamente o horizonte acreditar que há vida depois da morte. Porém, se eu, por algum motivo, desistir de confiar que existe vida (isto é, possibilidade de vida verdadeira), antes da minha morte, tudo fica estranho, escuro e perdido."

José Tolentino Mendonça, in O Hipopótamo de Deus

domingo, 1 de novembro de 2020


Quem sente o grito de quem chora,
quem escuta o silêncio que implora,
quem consegue ler no olhar de uma criança
uma lágrima ainda não chorada;

quem pode intuir o drama
no coração de um homem,
a angústia que corta o alento,
quem vê numa árvore seca
os frutos sumarentos que ela pode dar;

quem vê o sol quando não o há,
quem fica encantado a olhar para as estrelas
ainda por despontar,
quem tem a inocência obstinada de uma criança:

isso é Deus, e desse Deus
estou enamorado, loucamente enamorado.
Tudo o resto é lodo,
porém, desse lodo,
pode nascer e renascer um homem.
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Ernesto Olivero